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Um ano!

E na tarde de ontem completamos um ano de Europa, um ano de muito aprendizado, um ano de experiências únicas, um ano longe de todos aqueles que nos conhecem desde que nascemos e daqueles que conhecemos desde que eles nasceram, um ano de casamento a nossa maneira, não como o planejado, mas perfeito como sempre sonhamos. A final de contas, toda união requer atenção, companheirismo e firmeza, ainda mais quando parte disto é, se aventurar em um ambiente longínquo e totalmente novo.

​Alguns dizem que o primeiro ano é o mais difícil, não duvido nada disso, mas também não penso que os próximos serão tão fáceis assim. Nesse tempo sofremos pela falta de tantas pessoas, pela falta do que fazer, por não ter como mudar algumas coisas, por ter feito escolhas falhas, por não ter emprego, por falta de dinheiro, por falta de tempo para tudo, mas quem aí não sofreu no ano que passou mesmo morando no mesmo lugar e convivendo com as mesmas pessoas? A final a felicidade não é um estado absoluto, é para você?​

Nossa ideia era viver na Holanda ou Noruega, foram nossas duas primeiras opções (quem não quer viver em país de primeiro mundo?), mas é muito mais difícil do que as chamadinhas do Face dizem - cuidado com elas -, a grande verdade é que se você, brasileiro, não tem uma excelente formação ou uma grana para arriscar um intercâmbio, você é só mais um a ocupar espaço dentro de uma nação onde todos têm o seu lugar, ao desembarcarmos na Europa, passamos a ocupar um lugar quem não foi criado para nós, é nessa hora que começamos nossa batalha para fazer parte da grande massa melhor desenvolvida. Mas como competir sem saber sua língua, seus costumes, sua história? Seria muito fácil chegar onde tudo está pronto e se acomodar, mas a verdade é que temos de merecer, temos de mostrar o nosso valor, moral e cívico.​

Tanto para a Holanda - o lugar pelo qual nos apaixonamos -, quando para a Noruega, é praticamente impossível conseguir um visto de residência, de modo geral você precisa ter uma formação específica dentro de uma área de atuação onde o país tenha vagas que por algum motivo não foram preenchidas pelos nativos. Quase, impossível.


Portugal por sua vez, tem acordos com os países chamados de países terceiros, onde você tem alguma chance de conseguir uma residência mesmo trabalhando em seguimentos que não exigem nenhuma formação. Para os aventureiros, esta é a área da "restauração" - bares, cafés, restaurantes, dão contratos de trabalho e com estes, o imigrante, até então, ilegal, pode começar o seu processo de legalização. É demorado, corre-se o risco de ganhar uma carta convite para se retirar do país, fora os empregadores que, infelizmente, gostam de se aproveitar dessa situação, sejam eles, portugueses, brasileiros ou de qualquer outra nacionalidade. Portugal é muito bom, muito bom mesmo, comparado ao Brasil em muitos aspectos, mas está bem longe de ser um país de primeiro mundo onde o correto é primordial. Chegamos em terras lusitanas pelo Porto, no norte do país, por achar que com menos imigrantes seria mais fácil começar a trabalhar, primeiro grande erro, ficamos em um lugar lindo e tranquilo, que tinha perfume de rosas, Gandra, um pequeno vilarinho próximo da freguesia de Paredes, ficamos por um mês e meio e nada de entrevistas, muito menos de trabalho, o dinheiro só ia embora.

Decidimos com o que sobrou das economias, viajar para Lisboa - é nessa parte onde começam a aparecer os aproveitadores! Pagamos três meses de renda - 525 euros - ao senhorio do apartamento de Gandra, saímos antes dos prazo, pedi a ele pelo menos um mês de devolução - 175 euros, não vimos a cor deste dinheiro. Arrendamos um quarto em Sete Rios, muito bem colocado, mas infelizmente não pudemos visitar antes de fechar negócio, parecia propício a nos dar muitas chances de trabalho rápido, segundo aproveitador, um moleque, nos cobrou 200 euros pelo quarto, disse que tinha apenas mais um rapaz no apartamento, chegamos a noite depois de uma longo dia de viagem de trem, com grande malas, suados, exaustos; ele nos buscou na estação que era próxima ao apartamento e, no meio do caminho diz que têm alguns amigos dele terminado trabalhos de faculdade mas que vão embora em uma semana, inaceitável, chegamos no imóvel e nos deparamos com um verdadeiro chiqueiro, com meia dúzia de moleques lá dentro, vendo TV, bebendo e fumando, (não me lembro de ver nada sobre faculdade), começou aí minha preocupação, tinha comigo minha noiva e claro, comecei a temer por nós dois, não consegui dormir na primeira nem na segunda noite, a porta não tinha fechadura, na terceira noite, sexta-feira, um único rapaz que ficou no apartamento, levou um casal de amigos que, até as quatro da manhã ficaram bebendo, fumando canhões e fazendo vai saber-se lá o que. Perturbador, é a palavra que descreve o que se passou naquela noite, nesta mesma noite fizemos contato com outro dono de apartamento e decidimos que nos mudaríamos no dia seguinte, foi exatamente o que fizemos, como ficamos uns poucos dias no apartamento, justamente por que não se cumpriu o combinado, pedi de volta pelo menos 100 euros, segunda perda.

No final de semana estávamos em um apartamento que nos acolheu como realmente esperávamos, um casal de brasileiros, responsáveis pelo local, nos acolheu e nos ajudou, nos deram prazos diferenciados para conseguirmos pagar a renda, pois nessa altura o dinheiro já tinha ido todo embora, tivemos de pedir ajuda aos nossos país para que conseguíssemos nos virar pelo menos no primeiro mês. Mas foi ainda melhor do que esperávamos, logo na primeira semana a Lauren conseguiu uma entrevista em um café, o Vélocité Café, e no final da semana, mais duas, três ofertas de trabalho com contrato, um sonho. Ela optou pelo primeiro, uma indicação de um casal de brasileiros - Hugo e Pri-, que nem mesmo conhecíamos pessoalmente, mas que desde o começo nos ajudam como podem, foi uma boa escolha, é um ambiente extremamente agradável, um local impar, hoje ela tem o contrato e em breve, a residência. Neste mesmo café, fez amizade com as irmãs, Camila e Marina, com a meiga Naty, todas brasileiras e uns amores de pessoas. Com os meninos, Pedro e João Afonso, um português e um africano, comandados por outro João, o dono, um exemplo de homem, bondoso, educado, inteligente e amigo. Eu, nos primeiros dias lavei uns carros num lava-rápido de um brasileiro, o Pedro, que foi atencioso e nos deu infinitas dicas desde que estávamos no Brasil, fiz também companhia a uma idosa, até que me apareceu uma boa oportunidade, o Lisboa Comedy Club, bom salário, carga horária justa, parecia promissor. Primeiro mês, atraso de salário, o ordenado vinha picado, isso foi se acumulando por quatro meses, ao final de dezembro tinha 700 euros para receber, a casa ia fechar definitivamente no final do ano. Fechou, só tinha contato com o empregador por celular, depois de muito insistir, consegui receber 350 euros, ele simplesmente sumiu, o terceiro aproveitador. Logo após, uma entrevista com um brasileiro, um explorador, queria me pagar meio salário mínimo por não completar 40 horas semanais trabalhadas, mas que somavam 39 horas (muito obrigado, conterrâneo), deixei passar esta. Fiz um teste de uns dias em uma cozinha com o marido da Camila, Paulo Cezar - o PC -, um Chef de mão cheia, companheiro, brincalhão, paciente, mesmo em pouco tempo me ensinou muito, mas infelizmente o local não suportava uma equipe muito grande e eu acabei por não ficar. Próximo emprego, um restaurante, dez horas diárias, fazendo sala, balcão, copa e cozinha, ganhando menos que um salário mínimo e, sendo tratado como um estúpido por um estúpido, uma semana de trabalho e a única vontade que dava era de desfigurar o dono com uma frigideira, só fiquei mesmo esta uma semana. Alguns dias depois, deixando currículos pela cidade, fui chamado para um teste e eis que deu certo, estou muito feliz e cheio de esperanças, no Ovvo reconhecem o meu esforço e tratam-me com dignidade, isto há três semanas, na segunda-feira levei os meus documentos e em alguns dias terei o meu contrato de trabalho, junto a Brenda - uma brasileira que no segundo dia já era uma amiga - que me contratou, Anderson e Nathasha, também conterrâneos, e os cabo verdianos Eneida, Wilson, Barbara, Andrea e Gato, todos comandados pela amorosa e imponente, dona Sofia, uma portuguesa bem humorada e brincalhona. Foi realmente conturbado e, estamos nos estabilizando, mas somos só um caso em milhares de casos, exitem melhores, existem piores, o importante é manter-se firme e sempre ter pelo menos um fio de esperança. É difícil mas não impossível, existem situações ruins, mas também têm as boas, como uma brasileira que conhecemos em nossas entregas de currículos, assim que chegamos à Lisboa, Joana, muito prestativa, nos apresentou a Ariene, que sem pestanejar se ofereceu para assinar os documentos que nos davam direito ao número de contribuinte, um tipo de CPF daqui, ela nos viu pela primeira vez e prontamente se dispôs a ser "responsável" por nós dois. Não, ninguém faz isso, mas ela fez, e ajudou, e devemos muito a ela, seremos eternamente gratos por isto.

Com tudo o que vivemos nesse primeiro ano, aprendemos tanto sobre nós mesmos e sobre a vida, que jamais aprendemos antes, e por mais que o dia seja difícil, é isso que nos motiva a continuar e a buscar o melhor a cada dia, o melhor para nós e também o nosso melhor para com quem convivemos. Não somos perfeitos, mas não custa nada tentar melhorar a cada dia. No começo dessa jornada éramos um casal em busca de aventura, e ainda somos, mas para que as próximas aventuras aconteçam precisamos nos dedicar a vida comum. No momento não sabemos quando nem onde serão as próximas aventuras, mas sabemos que precisamos delas. Nessa terra ainda temos muito para descobrir, e pretendemos descobrir o máximo, a final não é tão grande quanto o nosso Brasil.


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